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Uma verdadeira aula de Linguística – Parte I

Este post é dedicado a todos que se interessam por Linguística ou têm pelo menos curiosidade em saber o que é. De uma forma leve e genial, o poeta José Lira resumiu a vida e a contribuição de Ferdinand de Saussure, pai da Linguística moderna, em um poema que faz parte da Literatura de Cordel.

Lemos este texto na aula de Terminologia, com a professora Maria Teresa Barbosa, e resolvi compartilhar com vocês, porque achei excelente.

O texto é longo, por isso o dividi em partes.

A VIDA E AS IDÉIAS GENIAIS E DICOTÔMICAS DO PAI DA CIÊNCIA DA LINGUÍSTICA – FERDINAD DE SAUSSURE

A Lingüística é o estudo

Científico da linguagem

Usada pelas pessoas

Como código e mensagem,

Quando elas se comunicam

E socialmente interagem.

Foi Ferdinand de Saussure

Quem explicou sua essência,

Mostrou o seu objeto,

Definiu sua abrangência,

Fez da Lingüística antiga

Uma moderna ciência.

Saussure mostrou ao mundo

A força maravilhosa

Dessa ciência importante,

Fascinante e curiosa,

Rainha e amiga das línguas,

Dona do verso e da prosa.

No século XIX

O nosso Mestre nasceu,

Na cidade de Genebra,

Na Suíça, onde cresceu,

E até os dezoito anos

Em sua terra viveu.

Três anos logo em seguida

Na Alemanha ele passou,

Alemão, sânscrito, grego,

Persa e latim estudou,

Dos mestres daquele tempo

Louvor e estima ganhou.

Tinha só 22 anos

Quando formou-se doutor,

Mudou-se então para a França

E se tornou professor,

Da Escola de Altos Estudos

Foi o maior diretor.

Já respeitado e famoso,

Voltou à terra querida,

Que em sua universidade

Lhe deu emprego e acolhida

E onde viveu ensinando

O resto de sua vida.

A doutrina de Saussure

Legou à posteridade,

Tão cheia de brilhantismo

E de originalidade,

Só depois de sua morte

Conheceu publicidade.

Pois o mestre genebrino

Todo o tempo consumia

Em ensinar aos alunos

No labor do dia-a-dia,

Que o professor de verdade

Não conhece outra alegria.

Revendo então os cadernos

Com suas anotações,

Alguns alunos juntaram

Idéias e opiniões

E reuniram num livro

As valiosas lições.

Deram-lhe o nome de “Curso

De Lingüística Geral”,

Um trabalho grandioso,

Um livro monumental,

Da ciência da linguagem

A obra fundamental.

Em suas páginas tudo

De necessário se lê,

A síntese mais profunda

E o mais singelo ABC,

Para quem quer ser lingüista

Sabendo como e por quê.

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Uma verdadeira aula de Linguística – parte II (O Curso de Lingüística Geral)

O “Curso” mostra o processo

Organizado e bem-feito

Desse mestre que estudava

Com paciência e com jeito,

Buscando a palavra exata

Na exatidão do conceito.

Uma terminologia

Consensual e adequada,

Uma área certa de estudo

Precisava ser fixada,

Que a Lingüística não era

Uma ciência acabada.

Com visão e perspicácia

Saussure abordou o tema,

Buscou nas dicotomias

A chave para o problema,

No dualismo das coisas

Idealizou um sistema.

A linguagem, diz o “Curso”,

É um fato social

E é para nossa ciência

A matéria principal,

Em todas as várias formas

Dessa expressão cultural.

Mas a linguagem abrange

Gesto, sinal, fala, ação,

Qualquer atitude humana

Para a comunicação,

E esse campo é muito vasto

Para abordar a questão.

A língua, então: eis o ponto

Que nos compete estudar,

O objeto definido,

Distinto e particular,

Que vale por ela mesma

E ocupa aqui seu lugar.

A língua por um lado,

É uma dupla entidade,

Tem duas faces opostas,

De aparente ambigüidade,

Sendo abstrata e concreta

Na sua diversidade.

Impõe-se, pois, dividi-la

A fim de classificá-la,

Repartir a sua essência

Para melhor estudá-la,

Distinguir o que é idéia

Do que é ato de fala.

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Uma verdadeira aula de Linguística – parte III (Langue x Parole)

Eis então nossa primeira

Dicotomia importante:

“Langue” e “parole” são termos

usados de agora em diante

para os dois tipos de língua

de que se serve o falante.

Todos nós, quando nascemos,

Temos o dom de pensar,

Mas pensar exige um meio

Para a idéia enunciar,

E a langue é o meio que existe

Entre o pensar e o falar.

A langue é como um tesouro

Que a nossa mente contém,

O exemplar de um dicionário

Que toda pessoa tem,

Consciência coletiva,

De todos e de ninguém.

A langue, na sociedade,

É uma instituição,

É um sistema de signos

Usados por convenção,

E para a vida gregária

Tem força de coesão.

Por sua ver a parole,

Como está dito no “Curso”,

Já é um fato diverso,

Um diferente recurso,

Ou seja, a própria palavra

Realizada em discurso.

Dentro da língua, a parole

Corresponde à atividade

Cotidiana e concreta

Ligada à realidade,

Pertence a cada indivíduo

E não à comunidade.

Utilizando a parole

Sempre dentro de um contexto,

É livre assim o indivíduo

Para compor o seu texto,

Tocando em qualquer assunto,

Falando a qualquer pretexto.

Nem a langue é soberana,

Nem a parole se impõe:

Uma depende da outra,

Enquanto à outra se opõe,

E desse eterno contraste

É que a língua se compõe.

Fazendo agora um resumo

Desta breve exposição,

Seria a langue o produto

E a parole, a produção;

Langue – o sistema da língua;

Parole –  língua em ação.

A langue é que é permanente,

E a parole, ocasional;

A langue é que é coletiva,

A parole é pessoal;

Uma – ideal e abstrata,

Outra – concreta e real.

Saussure então vê a língua

Por uma dicotomia:

Descrita em dado momento

Por meio da sincronia,

Ou vista através do tempo,

Segundo a diacronia.

Ora, a Lingüística antiga,

Histórica ou normativa,

Tinha uma visão da língua

Fechada e retrospectiva,

E juntava em seus estudos

Língua morta e língua viva.

Interessava aos lingüistas

E aos gramáticos antigos

Analisar alfarrábios,

Abrir tumbas e jazigos,

Eram servos da História,

Da Arqueologia os amigos.

Na visão da sincronia,

Que Saussure introduziu,

A Lingüística afirmou-se,

Como ciência surgiu,

Independente e completa

Se impôs e se definiu.

Vem em seguida, no “Curso”,

Os eixos das relações

Onde atua o mecanismo

Das varias oposições

Que no sistema da língua

Geram termos e orações.

São ditas associativas,

Na base vocabular,

As opções que o falante

Exerce ao selecionar

Cada som, cada palavra,

Para a fala enunciar.

As relações do outro tipo,

Sintagmáticas chamadas,

Ocorrem entre as palavras

Que, na oração colocadas,

Se apóiam umas nas outras,

Atuando encadeadas.

Por exemplo, quando eu digo:

“Deus é bom”, cada elemento

Exerce um papel na frase

Nesse relacionamento

Que, pela ordem dos termos,

Dá sentido ao pensamento.

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Uma verdadeira aula de Linguística – parte IV (Significante x Significado)

Falou também nosso Mestre,

Com lucidez e elegância,

Sobre outra dicotomia.

De singular importância,

Que no sistema da língua,

São a forma e a substância.

Imaginemos a língua

Como um jogo de xadrez:

Cada uma de suas peças

De substâncias se fez,

De metal ou de madeira,

De outra matéria talvez.

Mas o que vale no jogo

Não são as peças em si,

E sim a forma de luta

Em que se empenham ali:

Se uma de lá ameaça,

Outra defende daqui.

A forma, assim, fica expressa

Por essa exata equação

Das peças que em equilíbrio

Exercem sua função:

Só têm valor no sistema

Se entre si têm relação.

Há, finalmente, no livro

Mais outra tese brilhante,

Mais uma dicotomia,

Outro assunto interessante

Que aqui por último é visto,

Mas é também importante.

Toda a linguagem precisa

De uma harmonia perfeita

Entre os símbolos que adota,

Os sinais de que ela é feita,

Para ser compreendida

E por todos ser aceita.

Assim também toda a língua

Na palavra se alicerça –

Signo básico e claro,

De utilidade diversa:

Serve ao sermão mais profundo

E à mais singela conversa.

Mas a palavra é um signo,

Diz o nosso Professor,

Dicotômico na forma,

De dupla essência e valor,

Dois perfumes num perfume,

Duas cores numa cor.

Significante chamemos

A emissão da nossa voz,

A impressão que faz a imagem

Acústica em todos nós,

O próprio som da palavra,

Fugaz, etéreo e veloz.

Chamemos significado

A parte conceitual

Que representa a idéia

Contida nesse sinal,

Evocação de uma imagem

Que é psíquica e mental.

Forma-se, assim, a palavra,

Qual moeda indivisível,

Do seu significante,

Sua face imperceptível,

E do significado,

Que é a parte inteligível.

Toda parte que a língua

Tem no seu vocabulário,

Cada signo que ao falante

Se revelar necessário

Tem esse duplo contraste,

Que é linear e arbitrário.

E é dessa forma que o signo

Fica, afinal, resumido:

Linear é seu feitio.

E arbitrário o seu sentido;

Faz-se na linha do tempo

E a priori é concebido.

E aqui o nosso trabalho

Está chegando ao final:

Finda a leitura do “Curso

De Lingüística Geral”,

Que contém as teorias

Desse mestre genial.

As idéias de Saussure,

Nunca é demais sublinhar,

Foram muito discutidas,

Deram muito o que falar,

Mas, se alguns criticaram,

Ninguém ousou refutar.

Seu pensamento é a base

De que se pôde valer

A Lingüística moderna

Para firmar-se e crescer,

E entre as ciências humanas

Ter um papel a exercer.

Depois dele, certamente,

Outros lingüistas vieram

Que pensaram de outra forma

E outras idéias tiveram,

Mas ele fez mais ainda

Que todos juntos fizeram.

Porque ninguém até hoje

Se lançou por outras vias

Que negasse a verdade

Das suas dicotomias

E nem deixou guiar-se

Pelas suas teorias.

Há homens que em sua vida

Mudam o curso da História,

Uns no campo de batalha

Buscam na guerra a vitória,

Outros com poder e força

Tentam cobrir-se de glória.

Mas outros heróis existem

Que não cedem à paixão

Da pobre vaidade humana,

Sem sentido e sem razão,

E lutam mais, porque lutam

Por amor e vocação.

Nessa luta sem medalhas

O nosso Mestre viveu:

Ensinando a vida inteira

Nenhum galão recebeu

No entanto, quanta riqueza

Ao nosso mundo ele deu!

José Lira

1995

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Como fazer um mestrado na USP

Como já mencionei aqui neste blog, faço mestrado na USP.  Muitas pessoas já me perguntaram como consegui entrar lá, principalmente, por ter feito a graduação em uma faculdade particular. Antes de mostrar o caminho das pedras, vale negar alguns mitos nos quais eu mesma acreditava:

– não, as vagas não são compradas, são poucas…

– não, não precisa ser gênio, nem nerd, nem louco, nem chato, nem sobrenatural, nem estudar o dia inteiro; é preciso persistência, disciplina, disponibilidade e gostar de estudar, obviamente.

Isto posto,  lá vão dez passos para não pagar para fazer um mestrado:

1 –  depois de decidir a faculdade que quer cursar, entre no site e procure a grade de disciplinas que serão oferecidas no semestre seguinte (já aviso, o site é confuso…);

2- escolha uma disciplina do seu interesse e:

– assista como aluno ouvinte: no dia da aula, você chega e pede para o professor para assistir a disciplina. Se tiver vaga e os seus motivos forem convincentes, ele deixa. Você assiste as aulas só para conhecer. Não precisa de presença regular, fazer trabalhos, seminários, nada… só sentar e “ouvir”;

– assista como aluno especial: se inscreva na data estipulada presencialmente lá na USP, depois é preciso fazer uma prova (até que simples) de interpretação de texto em inglês e redação. Também é necessário entregar vários documentos – histórico, currículo, carta de solicitação ao professor, etc. A vantagem é que você pode aproveitar os créditos depois, se vier a fazer o mestrado, e também ‘mostra mais serviço’.

No meu caso, assistir aulas como aluna especial foi crucial para ter ideias de projeto, conhecer o professor e suas linhas de pesquisa, conhecer pessoas que te dão várias dicas e descobrir em que chão você está pisando.

Ah, se fizer aula como aluno especial, capricha no trabalho de conclusão da disciplina!!

3 – escolha a área e o professor orientador;

4- se inscreva para o mestrado propriamente dito, geralmente com quase um semestre de antecipação! Ou seja, para começar a estudar em agosto, o processo começa em março, mais ou menos. As datas são rigorosas e estão no site. Também é preciso entregar um monte de documento, mas nada que você não tenha…

5- faça a prova de inglês – interpretação de texto teórico (ferradíssima…), incluindo respostas dissertativas, e redação;

6- estude para a prova de conteúdo. São geralmente de 4 a 8 livros, dependendo do curso. A lista de livros está no site. No meu caso, consegui os livros por um colega que estuda na USP e pegou na biblioteca. Dica: faça um cronograma das leituras (1 mês para esse livro, x páginas por dia, etc.) e não deixe de fazer uma revisão.  (Ah, dê adeus à sociedade e avise que você vai precisar se retirar);

7- faça a prova de conteúdo. No meu caso, cinco questões dissertativas, você escolhe três para responder. Lembra da folha de almaço do colégio? Você escreve uma daquelas inteira;

8- no dia da prova, você tem que entregar seu projeto de pesquisa, dentro da linha de pesquisa e atuação do professor orientador que você escolheu (ou que vai te escolher, melhor dito). Essa é a parte mais difícil, por isso você tem que pensar nisso lá nas aulas como aluno especial.  Dica: siga as regras de formatação e estrutura, seja objetivo, claro, dê exemplos, não deixe erros, faça uma capinha bonitinha…

9- passou na prova? Agora é a vez da entrevista de mestrado. Esteja preparado para explicar o que você pretende com a pesquisa. No meu caso, havia três professores, incluindo a orientadora, que leram o meu projeto e fizeram perguntas gerais sobre a relevância da pesquisa, etc.  No meu caso específico, para ser sincera, foi mais fácil do que eu pensei, mas não diria que isso é um padrão. Vale lembrar do ditado: “Hope for the best, but plan for the worst”.  Depois  é só aguardar a confirmação ou não da aprovação, que geralmente sai uma semana depois da entrevista.

10 – passou? Agora é só fazer a matrícula! Você vai ter que completar x número de créditos, ou seja, vai precisar assistir disciplinas como aluno regular, geralmente de tarde, uma vez por semana (é nessa etapa que eu estou!). Também é interessante frequentar congressos, convenções, palestras.

Por fim, o céu é o limite: o quanto você vai estudar, ler, “es-cre-ver” vai depender de você. Lembre-se, o interesse é seu e só seu. O que é muito mais difícil do que ter alguém te mandando estudar isso e ler aquilo.

É isso aí! Respondi a pergunta?

Beijo e boa sorte para quem for tentar!

🙂

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Você sabe o que é linguística de corpus?

Desenvolvo uma tese de mestrado na área de Tradução. Estudo os padrões na língua de especialidade, mais especificamente, a hotelaria. Para tanto, tenho utilizado como abordagem metodológica a Linguística de Corpus. Você sabe o que é isso?

A Linguística de Corpus é uma área que:

  • estuda a língua em uso, ou seja, investiga a linguagem por meio da observação de grandes quantidades de dados linguísticos (textos falados ou escritos) autênticos (reais, não inventados);
  • utiliza um corpus (plural: corpora) para realizar suas investigações, ou seja, um conjunto de dados linguísticos reais criteriosamente coletados (em meio eletrônico), que deve ser representativo do universo linguístico que se pretende estudar;
  • faz amplo uso de ferramentas computacionais para organizar, extrair dados e interpretar as informações do corpus (como WordSmith Tools, dentre outras);
  • parte de uma abordagem empirista (dados observados), contrária à abordagem racionalista (princípios pré-estabelecidos), e tem como central a noção de linguagem enquanto sistema probabilístico, ou seja, embora existam inúmeras possibilidades de expressão na língua, elas não acontecem com a mesma frequência. Por exemplo, por que dizemos “artigos de cama mesa e banho” (provável) e não “artigos de mesa banho e cama” (possível), apesar de a segunda opção não estar “errada”?

De acordo com essa noção da linguagem, os traços linguísticos não ocorrem de forma aleatória, sendo possível evidenciar e quantificar regularidades (padrões) no uso.  Por exemplo, dizemos “mentir descaradamente” (lie outright, em inglês) e não “mentir abertamente”; “tomar uma decisão” e não “fazer uma decisão”, ao contrário do inglês “make a decision“.

Para muitos pesquisadores, a Linguística de Corpus revolucionou o modo como a linguagem é estudada. Seus achados contribuem para diversas áreas de pesquisa, como lexicografia, ensino e tradução (eu estou aqui!).

Post adaptado do artigo do wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lingu%C3%ADstica_de_corpus

Esse é só o começo… muito mais por vir sobre Linguística de Corpus.

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TRADLITTERIS

para pensar sobre letras e tradução